sábado, 17 de março de 2018

UMA CRONICA DE ANTONIO MARIA...

Dinheiro — Preciso 35 mil

cruzeiros empréstimo,

boas referencias.

Pago no vencimento

50 mil 30 dias.


— Mas, a gente vai separar por quê?

— perguntou o marido. A conversa

começou cerca da meia-noite, e

eram oito da manhã. Marilda só

dizia que ia separar e que não

ficava mais nem um dia. Na hora de

explicar o motivo, se trancava. A

pergunta “você tem um novo

alguém”, Jaribe lhe fizera umas mil

vezes. Marilda se arrepiava da

cabeça aos pés, com a forma “um

novo alguém”. Foi quando Jaribe

levantou, foi no armário e, de urna

malinha da Varig, trouxe um Smith

Wesson 38, carga dupla.



— Fala, Marilda. Se não falar eu me

mato aqui mesmo.



Marilda não sabia daquele revólver.

Nunca vira, antes, alguém com um

revólver na mão. Sentiu uma

náusea. A violência, qualquer

espécie de violência, lhe nauseava.

Pediu:



— Guarde o revólver que eu falo.



Jaribe atirou o revólver, de

qualquer maneira, no armário.



— Vai, fala.



Marilda ergueu metade do corpo e

recostou no espaldar da cama.

Tinha que falar. Um homem nunca

se conforma em separar-se sem

ouvir, bem direitinho, no mínimo

500 vezes, que a mulher não gosta

mais dele, por que e por causa de

quem. Já mulher, não (pensava).

Basta que o homem lhe diga uma

vez que quer ir embora, nasce-lhe

um brio, um ódio poderoso, uma

espécie de soberba, tão grande, que

ela se veste toda, pega um telefone,

pede um táxi e sai. Mulher (pensara

Marilda, a noite inteira) pode não

ter muita vergonha nos outros

lugares. Mas, na cara, tem. Mulher

não se importa de vestir o menor

dos biquínis e deixar que a vejam,

horas. Mas não consente que o

homem que a despreza lhe olhe a

cara, um só minuto.



Mas tinha que falar, porque homem, enquanto não sabe do pior, não sossega. E começou, Marilda, sem um segundo de sono (seis “dexas”), recostada no espaldar.

— Escuta, bem. Você sabe que eu tenho minhas coisas, não sabe? Fala. Sabe ou não sabe?

— Mas conta.

— Você vai dizer que eu sou louca, se eu disser que, no terceiro mês de casada, não agüentava ouvir ou dizer seu nome. Nós estamos casados há dois anos e três meses, não é? Pois bem, qual foi a última vez que você me ouviu chamar você pelo nome?

Jaribe fez uma rápida busca no tempo e só lembrou de Marilda a chamá-lo de “meu bem”. Ou, então, quando não havia ninguém perto, falar assim: “hei”!… e dizer o que queria.

Marilda continuava:

— Tentei o seu sobrenome. Você se lembra que, de junho a agosto do ano passado, eu passei chamando você de Carvalho? Mas não podia continuar. Mulher chamar marido pelo sobrenome é humilhante demais.

— Mas meu nome é tirado da Bíblia — … apelou Jaribe.

Marilda continuou:

— Mas não é só isto. Você fala umas coisas que não há mulher que agüente.

Houve uma pausa, que Jaribe se apressou em quebrar:

— Por exemplo?

Marilda preferia não dizer. Ajeitou-se no espaldar da cama, puxando o lençol acima dos seios, pois naquela posição a camisola não estava dando conta. Mulher não diz nada sério, não assume mesmo a mínima dignidade, se houver qualquer de suas pudícias à mostra. Marilda puxou o lençol até o pescoço.

— Eu estou esperando — insistiu Jaribe.

E Marilda falou o resto:

— Outra coisa: você fala “menas”.

— Como assim?

— Você diz muito: “menas gente”.

Jaribe a amava como um louco. Sentia, por dentro, uma dor enorme. Aquela dor da falta de ginásio. Mas queria saber tudo:

— E você tem um novo alguém?

Marilda botou o rosto dentro das mãos e começou a chorar. Chorava e falava, ao mesmo tempo:

— Me manda embora! Me manda um mês para fora pra ver se a gente conserta! Deixa eu ficar dois meses no Paraná com a família da minha madrasta! Vai, arranja um dinheiro e me manda! Depois a gente acerta.

Jaribe o que queria era esperança. Como todo homem que sente perder a mulher, queria a esperança de ainda retê-la. Tivesse ou não “um novo alguém”, ele queria Marilda. Honra? O que é honra? Em que parte do corpo está localizada?

Com a lucidez dos enganados, Jaribe descobria todas as verdades da vida.

Pobre Jaribe! Iria arranjar o dinheiro, custasse o que custasse. Com uns 35 mil cruzeiros, solucionaria o problema. Qualquer agiota lhe emprestaria 35 por cinqüenta, em trinta dias. Qualquer um. O próprio contador da Importadora. Se falhasse, era só botar um anúncio no Jornal do Brasil. Naquela efusão de suas esperanças, pensou: “Por que será que a Condessa comprou a Tribuna?”. Pôs-se de pé.

— Olha, Marilda. Você vai para o Paraná, sim. Depois de amanhã. Fica lá, descansa, passa o tempo que quiser e depois volta.

— Faz uma coisa — pediu Marilda —. Você me escreve, tá?

— Claro. Você vai para descansar.

E Jaribe foi para o banheiro, alentado por todos os maus alentos. Vigiar-se-ia dali por diante quando falasse.

Precisava de Marilda. Retê-la-ia, custasse o que custasse. E, coitado, em tudo o que pensava, não estava mais que estruturando sobre o absurdo.

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