UM NOVACRUZENSE ILUSTRE...CUNHA LIMA...
DIÓGENES COM A ESPOSA, VERA, MÉDICA.
DIÓGENES DA CUNHA LIMA
" DIÓGENES, INVENTOR DE
CRIATURAS, COLECIONADOR
DE
AMIGOS (RETRATO 3 X 4 DE
UM AMIGO-POSTER
MERECEDOR
DE OUT-DOOR)
Ninguém foi mais biografado, referido, louvado e amado que
Diógenes
da Cunha Lima, filho.
É o modo que os seus muitos
amigos encontraram de
expressar o seu
bem-querer e a sua Gratidão
pela amizade-sombra-guarda-
chuva de tão
querido parceiro. Quem chegou
tarde Encontrou pouco espaço
para dizeres, querências e
louvações. Restaram os
entretantos E vieses. Pouco
mais que
uma ou outra pose para um
retratinho no lambe-lambe das
feiras
interioranas. Nesses espaços,
confins e lindes ainda assim
aventuro-me, temerário e
desajuizado, sovinando Ouro,
incenso e mirra por
pauperismo
de origem, carecendo até
mesmo de riqueza narrativa ou
vocabular para
fazer o enfrentamento das
circunstâncias. Mesmo assim,
rendo
merecidas loas Porque o santo
não é de barro nem o andor
colado
com cuspe.
O sol não manda arautos à
frente para anunciar-se, mas a
sua luz (Zalkind Piatigórsky)
Trouxe a lume o dia mais claro
e mais azul que pudesse ser.
Alumiou mais
ainda a claridade para observar
a criatura. Descobriu-se um
Diógenes
diferente do grego, amante da
criação e da criatura. Não mais
buscava, anunciava. Tornou-se
poeta, de frase curta, rima
incidental, palavra grávida
de beleza e de intenções,
precisa. Suficiente.
E por amar o mundo e os seus
habitantes, fez-se,
naturalmente, generoso.
Largo de gestos, talvez,
parafraseando a poeta,
gesticule seu pensamento, de
sorte que mesmo estando
parado é já ter compreendido
ou não ter dúvidas.
Com um abraço, transfere-se,
com um sorriso se explica. Com
a palavra
constrói amigos e abrigos,
inventa alvores e ainda reúne
os escombros do
dia para fundear a noite.
Em suas lidas, “... reparte a
côdea, o boi (...) e sobretudo e
mais que tudo,
a palavra sem fel”. Uma pomba
seria a imagem mais adequada
para o seu
verbo - branca, plumosa,
digna, no bico um ramo de
algaroba anunciando -
o fim da estiagem e os rigores
do inverno.
O sorriso sempre pronto,
freqüente e estimulante, mal
comparando, como as portas
automáticas que se abrem
quando o sensor indica a
presença humana,
e, bem comparando, qual o
girassol que se volta na direção
da luz. Um sorriso
a meio caminho do vicariato,
no rumo do hospitaleiro
interiorano. Com gosto,
sempre. Um meio aguado
quando de simpatia, apenas.
Mas cheio de sol nos portantos
e portentos.
Todavia, cautela é
recomendável, sem pressa
conclusiva quando o virem
assim, na tarde, sorridente,
imaginando-o sem propósito.
Jorge Fernandes adverte:
Habitualmente vivo assim,
sorrindo.
O riso para mim exprime
tudo...
E no ato mais sério, estando
rindo
Sou mais sério rindo que
sisudo.
Porejado por uma santidade
profana, porque aceitou,
melhor dizendo, acoitou
os pecadilhos como
contraponto de sua natureza e
fatalidade inelutáveis. Legítima
defesa. Afinal, tornara-se
mortal e nordestinado desde
que viera á luz num vale de
lágrimas, cuja tanta profusão
formou o Curimataú,
recorrente rio
da infância. Nessas águas,
dessalinizadas e adoçadas no
sobejo da boca do Diógenes-
pai, e Eunice-mãe, navegou até
o Potengi.
Primeiro, desembarcou no
refoles de Riffault. Quando,
que nem Crusoé
espiando as sextas-feiras,
descobriu as margens ramosas.
Um dia, teve vontade
de continente e, conduzido
pela maré, fincou raízes
provisórias à beira do cais
da Tavares de Lira.
Depois, transplantou-se pelas
ribeiras e alecrins e pelas
alturas e baixios da cidade.
Virando homem-árvore
(imponderável baobá) danou-
se cabeça arriba para as dunas,
mergulhou a folhagem mística
no mar de arrebentação
pouquinha, recolhendo a sutil
renda branca tecida pelas
ondas para formar as nuvens,
e, fiado no farol de Mãe Luiza,
aventurou-se por mares nunca
dantes navegados.
Conheceu os sábios do Sião, os
Reis Magos, o santo Cascudo
de muitos saberes
e muitos charutos, os mitos e
as lendas de um Natal
memorável, seiva de suas
raízes – Navarro, Dorian,
Rabelo, Veríssimo, Djalma
Marinho, Jorge Fernandes, Zila
Mamede, Onofre Lopes, Nei
Leandro, Lula Capeta (também
louvado como Guimarães),
Sanderson, o almocreve de
sextante apontado para as
estrelas...fábula, fábula.
(De Itajubá, o Ferreira, só
conheceu a poética, mas foi
suficiente. Rendido
pelas tantas belezas dos
versejados, num culto à sua
imortalidade, mandou
restaurar a casa onde nasceu.
Como mandou esculpir e pintar
quadros dos
seus cultuados, num ritual
pagão pré-franquado por Deus.
É assim o magnífico Diógenes.)
Com aprendizado bem posto e
afamado, foi ensinar o que
aprendeu, para não sovinar a
ciência. Capitulou-se à
universidade e ficou sendo seu
Reitor. Refém
do seu ofício, entregou-se
escravo de ventre livre à sua
terra e à sua gente.
Foi mais além, foi deão de
todas as universidades
brasileiras, e é presidente
do Panteão de Letras
Potiguares, sem perder o
sotaque, nem perder de vista o
verde oceânico potiguar, a
fascinação das dunas
caprichosas e o aleitamento
do Curimataú.
Porque foi sempre e a vida
toda uma criatura
compromissada com a sua
aldeia, que nem o santo
besouro cascudo Luís da
Câmara e o Fernandes que
Jorgeou
com os pássaros.
Andou por Seca e Meca, Oropa,
França e Bahia. Foi
condecorado, enaltecido,
honrado e comendadorado,
mas, no terceiro dia sempre
ressurge dos céus mais
luminosos e promissores e
planta-se nos quintais da sua
terra adotiva. Toca o sino,
como os nativos dos mares do
sul sopravam os búzios, para
as celebrações dos amigos, em
Pirangi - o mar embaixo,
caminho de navegação, carta
de
alforria da alma viajora.
Homem que bota fé nos
compromissos assumidos, leal,
pastoreador de amigos
e de sonhos delirantemente
perseguidos e realizados,
surpreende os alheados
e se assombra, ele próprio,
com a o tamanho e a extensão
dos seus devaneios.
Decidiu criar o projeto Rio
Grande do Norte, em que faria a Universidade debruçar-se
sobre os problemas de sua
terra e oferecer-lhes alento e
cura.
Assim o fez. Enfrentou o
desafio de executar o maior
programa de editoração
da produção intelectual dos
docentes e discentes da sua
academia. Foi feito.
Beiradeiro de Nova Cruz, fez
propósito de liderar os
dirigentes das instituições
de ensino superior do país.
Tudo gente bem letrada e bem
falante. E foi.
Quis ser dono de um baobá, ao
menos tutorar um espécime
dessa árvore-útero,
sementeira da raça, instituir-se
o seu poeta e oficiante, e deu
no que deu. O “baobá do
poeta” é atração turística de
Natal. É, por isso mesmo, o
homem-árvore referido nos
prolegômenos desse escrito.
Deu até nome de Estação
Ferroviária, a da Ribeira, de
mor valia. Quem já emprestara
seu nome a tanto alvoroço,
gente de indo e vindo, lendo na
plaquinha o porto seguro de
partida e de chegada: Diógenes
da Cunha Lima?
Só um predestinado a ser.
Coleciona amigos como outros
o fazem com coisas ditas muito
importantes
sem importância nenhuma.
Diz que até inventa pessoas,
descobre um quê embutido em
cada um e,
por artes d´alquimia, faz
florescência desse intuitivo
insuspeitado.
Cada causo tem três estórias: a
sua, a minha e a verdadeira.
Mas esse causo eu conto, como
o causo foi. Rei é rei e boi é
boi.
Conto um causo de vera
acontecência como romance
sem rima, seco que nem o chão
da catinga, aqui e acolá, um
respiro de uma macambira e de
um mata-pasto. Lá vai:
Mal sucedido numa fábrica de
ração para aves, certo
advogado, ainda jovem,
mas já renomado, desfez-se do
seu patrimônio para saldar as
dívidas
comerciais e aceita convite
para administrar um grupo de
empresas na
distante Teresina, capital de
Piauí.
Corria o ano da graça de
1976/1977, por aí...
Dito causídico que tinha até
veleidades literárias, um poeta
passivo e militante de sonhos
vários, de repente vê-se
degredado para um sítio ermo
de praia e de brisa, os floreios
convertidos em atos de
gerência, haveres e deveres,
exilado da sua aldeia. Os filhos,
todos mui pichotos, deram
para emagrecer e apresentar
um calundu de fazer dó.
Saudades da terra Natal,
textualmente.
Passou ano e meio cabeça
baixa, sem olhar o céu,
impondo-se ofício missionário:
já que a quimera havia
murchado, que recuperasse
viço o patrimônio perdido.
Em fins de 1978, recebeu a
convocação do amigo, então
candidato a Reitor – que
voltasse para Natal, que era o
seu lugar. Quando chegasse os
problemas seriam solucionados
a contento, sob seu patrocínio.
Vendeu o que tinha e atendeu,
confiante, ao chamamento do
seu patrono. Incorporou-se à
campanha para conquista da
Reitoria da UFRN, participando
de um grupo com centenas de
militantes e após dura batalha,
hoje mitigada
mas dantes celebrada como
encarniçada, Diógenes foi
nomeado para o cargo.
Nesse meio tempo, sentou
praça como editor-assistente
do Rn-Econômico, que
atravessava uma
extraordinária fase de
expansão, não por seu auxilio,
mas porque confirmava-se a
excelência da parceria Marcelo
Fernandes-Marcos Aurélio Sá,
dois grandes amigos e
profissionais competentes, que
se completavam.
Certo dia, o amigo-reitor
comunica que quer tê-lo como
o seu substituto na cátedra de
Direito Comercial. Que
buscasse Amaury Sampaio
Marinho, então chefe do
Departamento de Direito
Privado, para os acertos.
Pouco mais de um ano depois,
o inventor de gente consultou
Marcos Aurélio
Sá, seu também amigo,
porventura o desfalque do
editor assistente era perda
irreparável, ou suportável em
curto ou médio prazo. O
jornalista respondeu que
preferia manifestar opinião
depois de conversar com o seu
editor, para aferir
as suas conveniências e
sugestões e avaliar a
conjuntura.
Deu-se então que Sanderson
Negreiros havia pedido
exoneração do cargo de
Pró-Reitor de Extensão e
Diógenes, inconformado com a
perda, queria ter o amigo, a
quem creditava a qualidade de
bom executivo, para ocupar a
vacância do notável intelectual.
Um complexo de inferioridade
apossou-se logo do convidado,
pari passu com
a preocupação de deixar os
dois amigos que lhe confiaram
a editoria da revista em
dificuldades. E porque
substituir José Sanderson
Adeodato Fernandes de
Negreiros, era tarefa para
kamikaze, tamanha a
criatividade, a inteligência e a
referência de boa gestão na
área responsável pela cultura
da UFRN.
Afinal, feita as ponderações
necessárias, e tirado os nove-
foras, decidiu
conforme o que é sempre dito
como lugar comum em tais
situações –
aceitar o desafio.
O resto é história conhecida.
A Pró-Reitoria de Extensão,
graças às idéias e ao apoio
irrestrito de Diógenes,
converteu-se em modelar,
mantendo cinco programas
inovadores que mudaram
a feição dessa unidade
acadêmica: Programa de
Editoração do Trabalho
Intelectual da IES (Peti),
gerenciado por Dona Salete e
Amaral; Programa de
Aplicações Científicas e
Tecnológicas (Pacto), pelo
Professor Adilson Gurgel
de Castro, com ajutório de
Uilame Umbelino, Liacir Lucena
e Glaucus Brelaz; Programa
Memória, pelo professor
Iramar Araújo e Programa
Vanguarda, pelo professor Ari
da Rocha.
Além disso, o afoito desafiado
tinha sob sua guarda, o Crutac,
menina dos olhos do sempre-
reitor Onofre Lopes, a Editora
Universitária, o Núcleo de Arte
e Cultura, o Núcleo de Estudos
Panamericanos, a Televisão
Universitária, e o Centro de
Convivência. Era um mundéu
de coisas para cuidar e tocar,
tudo feito com dedicação e
carinho por uma equipe
memorável: Fernando Lira,
Airton de Castro, Vilma
Sampaio, Lúcio Brandão, Carlos
Lira – ah, meu Deus, Carlinhos
Lira, ele próprio Memória Viva,
vivo e eterno na memória. E
Franco Maria Jasiello, romano
erudito de chapéu de couro e
gibão. Tão “magnífico” amigo
quanto Diógenes que encarnou
e deu essência afetiva a esse
título acadêmico.
Graças a essa equipe e ao
apoio do Reitor, o titular da
Pró-Reitoria alcançou
tal prestigio e notoridade que
se habilitou a disputar a
sucessão do próprio Diógenes,
merecendo dos conselhos
superiores o maior número de
votos e a primeira posição da
lista sêxtupla na disputa pela
sua sucessão.
Esse tal fui eu, também
criatura “inventada” por
Diógenes.
Fim do causo e continuação
das loas de merecimento.
Há nessa criatura-criadora,
também, e um tanto sobretudo
(literalmente
reforço e abrigo), um advogado
de tanta maestria e alquimia
que é capaz de
tocar Midas e convertê-lo no
que quiser, um abre-te sésamo
que é univitelino
com o direito regente no país.
Cortez Pereira, injustiçado e
fustigado indignamente como
fosse, com licença da má
palavra, boi-de-piranha, foi
tocado por esse-um.
Mas, até esse dom é diluído em
tantas vertentes, quantos
heterônimos de Fernando
Pessoa, tributando-se a
jusante e a montante a uma
corrente que é principal e
essencial: o poeta-escritor, que
magicamente, valendo-se do
próprio ofício e dele
recorrente, inventa gente e
coleciona amigos.
É também compositor, escreve
estórias infantis, e, se brincar,
casa, batiza,
faz chover no seco e no
molhado e inventa uma lua três
vezes sol.
Cogito que é espécie
dissemínula, diáspora.
Reproduz-se em outras tantas
espécies, transplanta-se,
transmuda-se, transfigura-se
ocasionalmente. Transfere-se
grão no bico de ave-palavra-
pomba, não mais algaroba,
mas sementeira de baobá
robusto e frondoso, sagrada
habitação telúrica onde as
oferendas são plantadas em
demanda da beleza.
Eis porque mordo a língua...
“ ...e deixo minha fala secar
comigo,
e cair como poeira
sobre os olhos famintos”
monte de cinzas
uberdadivosas
adubo de bem quereres
OBS. Quando me ponho e me
colho a transfigurar os amigos,
inventando personagens e
cenários onde pudessem
caber,
vejo sempre um Diógenes olímpico, boêmio e cristão:
túnica e louros de tribuno
romano, harpa a tiracolo, como
os tangedores de violão,
sentado à mesa da santa ceia
no mesmo lugar do Divino
Mestre, os amigos ao redor
aguardando a multiplicação
dos pães e do vinho,
com gestos largos e solenes,
como é seu jeito de ser.
PEDRO SIMÕES –
Professor de Direito
aposentado, escritor e
advogado. "
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