domingo, 8 de dezembro de 2013

UMA CRÒNICA DE JOCA SOUZA LEÃO...

OS RITUAIS DO CORONEL

Animais são seres ritualistas. Preá, homem, elefante, todos. Cada um com os seus rituais. Você já viu velório de elefante? Eu já. A manada em torno da elefanta morta. O elefantinho órfão ao lado dela. Paisagem desoladora, seca, sol inclemente. Em fila e silenciosos, todos passam por ela abanando suas grandes orelhas, no mais comovente ritual de despedida que vi até hoje. E, como seus ancestrais, seguem viagem em busca de água na longínqua região onde, desde sempre, passam o verão. O elefantinho permanece ao lado da mãe. Súbito, ouve urros da manada já distante. Vacila por um instante. E corre em direção a eles. Para. Olha para a mãe pela última vez. Abana as orelhas. E segue viagem. (Por muitos e muitos verões, a manada irá parar por alguns minutos naquele mesmo lugar. O ritual da morte dará lugar ao ritual da lembrança.)
Para transar, aí, então, é que os animais têm ritos. Outro dia, vi um documentário sobre os rituais de sedução das aves. Um macho, não sei de qual espécie, mas, se fosse bicho homem, iam dizer logo que era bicha, paquerando uma fêmea, no meu julgamento, sem muitos atrativos, mirrada e sem graça, mas fazendo o maior cu doce. Ele, com seus belos penachos coloridos, um na cabeça e outro no rabo, dava umas carreirinhas curtas e apressadas, parava, espanava os penachos e cantava. A fêmea, nem aí pros pantins dele. Mais de uma hora nessa brincadeira. Até que ela, vencida pelo cansaço ou rendida aos encantos dos penachos, não sei, agachou, levantou o rabo e corruchiou: “Vem nessa, gostosão!”
O homem, amigo, não passa de um animal. E é, como tal, classificado: mamífero, vertebrado, bípede etc. E, porque racional, o mais ritualista entre os animais. Ritualiza o que gosta, o que não gosta e o que teme.
Não vou falar aqui do que todo mundo tá careca de saber, os rituais humanos. Religiosos, amorosos, sociais, acadêmicos, políticos, jurídicos, urbanos, rurais, boêmios… Praticados desde o dia em que nascem até o dia em que morrem. E depois. Pois serão ritualmente lembrados aniversariamente: quando fizerem anos que nasceram, quando fizerem anos que morreram, como nos disse Pessoa.
Vou, isso sim, contar sobre os rituais de higiene e sexo de um dos mais poderosos coronéis do nordeste. Você vai ver a seguir, caro leitor, que, em matéria de rituais, o fantástico pássaro de penachos coloridos não amarra a chuteira do velho coronel.
Os rituais do coronel me foram contados por um de seus netos mais chegados. Mas, se em sua biografia, por certo autorizada, nada se disse sobre esses assuntos, não sou eu quem vai dar nome ao boi. E por um simples motivo: covardia. Com coronel nordestino, mesmo morto há muito tempo, não se brinca.
O coronel não tomava banho nem dormia com mulher ao lado. Daí, nos dias de ofício, aí pelo cair da tarde, tinha início o ritual. Ceava cedo, nada mais do que uma canjinha. Sobre o criado-mudo, dez pacotes de algodão, três garrafas de álcool e três vidros grandes de água-de-colônia. Ele próprio embebia chumaços e mais chumaços de algodão com álcool e os esfregava com vigor por todo o corpo. Após o álcool, repetia a operação com água-de-colônia. Findo o ritual de assepsia, batia palmas três vezes, como Molière com seu cajado, para anunciar o ofício, que tinha início com a entrada da concubina. Cerca de uma hora depois, finda a função, a mulher se retirava do quarto. E todos sabiam o porquê, já que o coronel nunca fez segredo.
“Durmo sozinho por respeito às mulheres, pois não peido na presença delas. E passo a noite peidando, porque a longevidade do homem está nas tripas.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário